Tomada pelas surpresas,
Uma boca que bebia
Se separa de suas penas
No seio da Poesia:
— Ó minha mãe Inteligência,
De onde vinha o doce deleite,
Qual é dessa negligência
Que deixa secar seu leite!
Teu peito mal me continha,
Premido em branca união,
Me embalava a onda marinha
De teu lauto coração;
Apenas, em teu céu turvo,
Abatido em tua beleza,
Sentia, sombra que sorvo,
Me invadir uma clareza!
Deus perdido em seu intento,
E em seu deliciar-se,
Dócil ao conhecimento
Do supremo apaziguar-se.
Eu tocava a noite pura,
Não sabia mais morrer,
Pois um rio sem ruptura
Parecia percorrer-me…
Diz, por que crença vazia,
Por que sombra ressentida,
A veia que maravilha
Nos meus lábios foi rompida?
Ó rigor, ó signo insigne
Que à minha alma não apraz!
O silêncio, voo de cisne,
Entre nós não reina mais!
Dos meus tesouros me veda
A tua pálpebra eterna
E a carne que se fez pedra
Sob o meu corpo foi terna!
Por quais injustos atalhos
Dos céus vens e me desmamas?
O que serás sem meus lábios?
O que serei se não me amas?
Mas, suspendida, a Fonte
Sem dureza retrucou:
— Me mordeste assim tão forte
Que meu coração parou!
Paul Valéry, Feitiços [Charmes]
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