Paulo Leminski – Como pode?
Soa estranho, esta manhã,
tudo o que sempre foi meu, como pode?
Como pode que esse som lá fora,
os sons da vida, a voz de todo dia,
pareça ficção científica?
Como pode que esta palavra,
que já vi mil vezes e mil vezes disse,
não signifique mais nada,
a não ser que o dia, a noite, a madrugada,
a não ser que tudo não é nada disso?
Pode que eu já não seja mais o mesmo.
Pode a luz, pode ser, pode céu e pode quanto.
Pode tudo o que puder poder.
Só não pode ser tanto.
Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.
Paulo Leminski, Toda poesia