Rainer Maria Rilke – A apresentação de Maria no templo
Para entender como ela era outrora
tens primeiro de imaginar um espaço
em que em ti se ergam colunas e os degraus
se sintam sob os pés; em que arcos
de ogiva perigosos se unam sobre o espaço
que ainda em ti ficou, pois foi feito
de tais matérias que não mais poderás
retirá-las de ti, a menos que te despedaces
igualmente. Se já atingiste o ponto em que
tudo em ti se transformou em pedra, muro,
escada, visão, abóbada, – tenta afastar um pouco
a espessa cortina que tens diante de ti:
aí estarão brilhando os gloriosos objectos,
que te suspendem a respiração, e paralisam os gestos.
Por todo o lado palácios e mais palácios
terras que se estendem por mais terras
e ressurgem mais longe em tantas margens
que tu sentes vertigens só de vê-las.
Uma nuvem de incenso turva o ar que respiras;
mas sobre ti incidem os raios, vindos de longe,
e se agora o fulgor que emana das taças chamejantes
se projectar sobre as vestes que de ti se aproximam:
como poderás resistir?
Mas ela veio e ergueu
os olhos para tudo contemplar.
(Uma criança, uma menina pequena entre mulheres).
Depois subiu, em silêncio e cheia de compostura,
perante um fausto que já em destroços se curvava,
tão grande era o louvor ultrapassando o que ali
por mão de homem se tinha construído
no seu coracão. Pelo prazer
de se entregar aos íntimos sinais.
Os pais tinham pensado erguê-la
até ao assustador peito coberto de jóias
que a receberia; mas ela foi passando por todos
de mão em mão, pequena como era,
entregue ao seu destino, mais alto que as abóbadas
já pronto à sua espera e mais pesado que o templo.
Rainer Maria Rilke, A Vida de Maria