Não foi a aparição de um Anjo (reconhece)
que a assustou. Nem de outros, quando
um raio de sol ou de luar à noite
os refletem no quarto desfilando,
se inquieta ela com a forma que um Anjo
possa ter assumido; mal suspeitando que
esta presença pudesse para o Anjo ser incômoda.
(ah se soubéssemos como ela era pura. Certa vez,
avistando uma gazela a repousar na floresta,
de tal modo a penetrou com o seu olhar que
mesmo sem acasalamento nela se gerou o unicórnio,
a criatura de luz, a pura criatura -).
Que ele entrasse, o Anjo, e com um rosto de adolescente
se debruçasse e a fixasse de tal modo que o olhar dela
e o seu se confundissem, como se de repente lá fora
tudo se esvaziasse, e o que era visto, procurado, levado
por milhões de homens nela se concentrasse: só ela e ele.
Contemplação e contemplado, olhar e prazer de ver,
em nenhum outro lugar a não ser neste -: repara,
é assustador! E ambos se assustaram.
Foi então que o Anjo cantou a sua melodia.
Rainer Maria Rilke, A Vida de Maria
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