O jogo está perdido, Doni, e não me venha dizer
que a morte é natural. Natural como a morte do cão
sob as ranhuras de um pirelli, natural como o corpo
que não levanta quando tudo na cidade grita, natural
como o corpo que não acorda mais e não permite dormir,
natural como a carne aderindo invisível dia após dia
às solas multicoloridas que pulverizam o estrago
que, insistentes, fazemos uns dos outros, uns aos outros.
Não há mais jogo, cara, não há mais partida. Voam
sobre nosso espanto o resto de uma conversa que
ninguém mais vai interromper e o vulto inquieto
de tudo o que não dissemos sob tudo que foi dito.
Sem asas, os pássaros sobreviventes vão andar
entre seus versos sem saber se já não é deles a pasta,
a graxa, a prancha em que tanto voo se transformou.
Deixe assim. Uma palavra a mais não dirá nada.
Tarso de Melo, Poemas 1999-2014
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