William Shakespeare – XXVIII
Lanço-me ao leito, exausto da fadiga,
Repousa o corpo ao fim da caminhada;
Mais eis que a outra jornada a mente obriga
Quando é do corpo a obrigação passada.
A ti meu pensamento — na distância —
Em santa romaria então me leva,
E fico, as frouxas pálpebras em ânsia,
Olhando, como os cegos veem na treva.
E a vista de minh’alma ali desvenda
Aos olhos sem visão tua figura,
Que igual a joia erguida em noite horrenda,
Renova a velha face à noite escura.
Ai! que de dia o corpo, à noite a alma,
Por tua e minha culpa não têm calma.
William Shakespeare, 50 sonetos